Todos os domingos meu avô, uma figura carismática de quase um século de sabedoria, vem almoçar na nossa casa. Outrora era ele o responsável pelo ritual do churrasco do final de semana, mas, o tempo passa – corre e ruge – e essa função hoje foi passada ao neto. Junto dela, após a sobremesa, a máxima: “Já estou indo, meus netos”.
Assim, vovô? Sem nem mesmo um cafezinho? No que vem a resposta pronta:
“É preferível sempre partir deixando saudade, do que ficar e tornar-se inconveniente”.
Ele sempre vai cedo e volta na outra semana. Apenas para fugir antes do café, apenas para nos deixar sempre ansiando pela sua companhia.
As palavras do meu avô escondem uma sapiência infinita: as coisas têm tempo certo para ocorrer. A fruta linda e madura, não colhida, cai e apodrece. O remédio, fora de hora, torna-se veneno. O direito de greve é, quiçá, o mais legítimo direito de resistência de todo o trabalhador. É a materialização da desobediência civil de Gandhi – que mudou a Índia; do sonho de Martin Luther King – que moldou os Estados Unidos. Tanto é assim que a Constituição Federal o assegura em artigo autônomo e não como inciso dentro dos direitos sociais:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
O seu direito de greve é assegurado e legítimo. A causa – o interesse, dito no artigo – é nobre e apoiada por todos: a redução do preço dos combustíveis. Não apenas destes, mas sim de toda a cadeia de transporte, afinal, mais barato o insumo necessário, tanto menos custará aos assalariados adquirirem os produtos no final da cadeia. Direito justo, causa perfeita.
Agora, como todos os outros direitos – e a discussão sobre eventual supressão do direito a vida ficará para outro dia – poderá (e diria até mesmo deverá) sofrer limitações. Dada a sua importância, as limitações já são definidas nos dois parágrafos do artigo 9º:
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Senhores, vocês praticam atividade essencial dentro da estrutura brasileira. Nessa imensidão que é o Brasil – malfadada a ausência quase que total de estradas de ferro (e aqui me pergunto onde estaríamos hoje se o lema tivesse sido “governar é construir ferrovias”) – que vai desde as praias aqui do litoral, até as divisas florestais mais longínquas, são as suas rodas que levam a todo brasileiro a sua comida, o seu botijão de gás, os seus mais supérfluos bens de consumo. Do Iphone X ao leite sem lactose, é através de cada um de vocês que nos alimentamos, vestimos, medicamos. Vocês são um dos motores da nossa economia e de nosso desenvolvimento.
Um grande poder, uma responsabilidade em igual medida:
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Abuso é tudo aquilo que extrapola o razoável, é todo ato intencional e deliberado que ultrapassa os limites de um direito assegurado. Os advogados sabem bem como funciona a lógica-jurídica: o meu direito vai até onde ele não fere o direito do próximo. É uma máxima quase bíblica: “Amar ao próximo como a si mesmo; fazer aos outros como quereríamos que nos fizessem”, eis a expressão mais completa do altruísmo, porque ela resume todos os deveres para com o próximo. Não se pode ter guia mais seguro do que tomando como medida do que se deve fazer aos outros, o que se deseja para si mesmo. Com que direito exigiríamos de nossos semelhantes melhor tratamento, mais indulgência, benevolência e devotamento, do que lhes damos?
Vocês foram acolhidos pelo povo brasileiro como heróis. Nós lhes demos pão, carne honras. Saímos as praças em seu auxílio. Buzinamos em todas as barricadas, mesmo ao custo de muito tempo e medo. Agora, é chegada a hora de uma retribuição. Nós vencemos.
Nós, todos nós, brasileiros de qualquer raça ou localização. Mostramos ao Governo nosso descontentamento – hoje e nos últimos anos; demos um basta nos esquemas mais mecânicos (ou seriam orgânicos?) de corrupção; conseguimos juntos o impossível – a redução de um imposto que a todos afeta. E agora vamos, todos, voltar ao trabalho.
Saudade é palavra que só existe na Língua Portuguesa. Como muitas das coisas que só acontecem por aqui, é algo intrinsecamente nosso. Definidor de nossa personalidade e caráter. No Dicionário, saudade é a “grata lembrança de pessoa ausente”, que marcou tanto nossa vida a ponto de, mesmo partindo, deixou marcas. Vocês deixaram uma marca no Governo, nas empresas, até mesmo nas crenças dos brasileiros. Por isso, é chegada a hora de partir. A saudade, o mártir, o santo, só existe na ausência, pois é daí que se sedimento o exemplo.
Partam, companheiros, deixando saudade. Sendo estimados pela população, heróis de uma causa nobre. O Brasil precisa de heróis, pois ditadores, vampiros e sanguessugas, já temos de sobra. Vão, pela sombra, com o apoio de cada brasileiro. Sejam como meu avô: no alto de seus 90 anos, uma figura esperada. Do contrário, quando tudo terminar, serão apenas mais uma página na história de retumbantes golpes ocorridos no Brasil – e aqui a concorrência é vasta. Não percam essa chance de ajudar a moldar o país que todos queremos – um país de todos e para todos. Onde causas nobres são vencidas e comemoradas. Onde a palavra dada tem valor de lei.
Ajudem a recompor nossos valores e nossos sonhos. Eu ainda tenho um sonho e como vocês – graças a vocês – continuarei lutando por ele, afinal, “É só um sonho que se sonha só / Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Joinville, 29 de maio de 2018
Albano Francisco Schmidt
Ótimo texto e excelente reflexão. Parabéns!
As palavras são bonitas, mas de nada vale uma apresentação sem resultado. Falar todos falam todos os dias, mas a inércia sucede. A ação é que gera movimento. De que vale um aplauso, se a barriga tem fome. Agora que jogamos a água, vamos lavar o chão.
salve Albano. Muito bom.